ARTIGO- O que é ser Beradero?

ARTIGO- O que é ser Beradero?



Primeiramente é importante esclarecer, que para melhor representar a questão identitária, a palavra “Beradero(a)” estou usando em sua forma oralizada, como se fala. Beradero(a) vem de beirada, da beira do Rio,  “ribeirinho” e, por conseguinte, deveria ser grafada “beiradeiro”. No entanto, escolho registrar o pertencimento.

Outrora, declarar-se beradero ou pronunciar que alguém era beradeiro, era deboche, podia ser ofensivo, soar pejorativo, preconceituoso e discriminatório. Hoje, o(a) beradero(a) percebe-se repleto(a) de valores, saberes, culturas, ciência, arte e principalmente orgulho de pertencer a esse universo Amazônida. Dizer, ser Beradero(a), provoca vários tipos de reações e emoções. Boas e ruins.

É importante dizer do que se alimenta. O beradero come com farinha! A farinha é essencial e utilíssima. Consumida com peixe frito, assado e cozido, com banana frita, açaí e tucumã, até suco de cupuaçu é com farinha. Pode ser da seca, d’água ou de tapioca, pode vir de Cruzeiro do Sul, Uarini, pode ser branca ou amarela de puba ou da baguda. Dela se faz o pirão, a farofa, o chibé e o capitão, pode faltar o arroz e o feijão, só não pode faltar farinha em sua refeição.

Quando criança, na mamadeira tomou caldeirada de Mandi. Merendou bodó com café, tomou din-din de abacatada, picolé de tucumã e refrigerante no saquinho, o creme de cupuaçu seu favorito, comia cajarana com sal, manga de vez, jambo e ingá cipó. 

Desde pequeno sabe que tem época de jambo, manga, papagaio e peteca - FÔNAAA!!! – brincou na rua e no quintal, betes, baladeira, corrimboque, rouba-bandeira, puxou cobra e “roubou” galinha no sábado de aleluia. Beradero moleque doido da baladeira.

Ia pro banho de bicicleta e entre um e outro mergulho dava e tomava alguns caldos. No igarapé pulava de tudo quanto era lugar da ponte, arvore, barranco, a graça era chegar lá no fundo e pedra ou areia pegar  

Na Festa junina, flor do maracujá, quadrilha, boi-bumbá, se dava friagem, cheiro de naftalina no ar. Na Banda do vai quem quer batida de cajá. Domingo no CIBEC pra curtir um póperô. Pegava carreira das gangs, usava solado trator. Gazetou aula pra ir na “praça do Ralf” e fliperama na 7 jogou. 

Brocado, almoçava no Almanara ou no Remanso, merendava Esfiha do primo ou Saltenha do J lima, bolo moca era no bar do canto, tacaca era no mirante pra contemplar o por do sol no rio madeira. 

O beradero “boêmio” de vida noturna, tomava umas no bar do zizi, uma dose de pinga no ½ kg do Manel, no amarelinho a cerveja era gelada, no Taba todo mundo se encontrava, e tinha as magrinhas do cai-n’água, no final, amanhecia no mercado central, pra tomar um caldo e curar a ressaca. 

Com seu jeito próprio de falar , numtem?! O beradero sempre da um jeito de meter um: Égua! Tu é doido é? No meio da frase, e pode terminar  a frase com um: legal que só maninho, ou um sonoro Telesé? Pra dizer que algo é bom é: Tá no 12. Pra dizer que é muito grande: Maceta! Pra xingar: Pomba lesa. Pra dizer que tem algo atravessado: De revestrés. Pra dizer que vai: Vô mermu! Com fome: Brocado. Verdade: De rocha. Que vai andando: Vou de pés. Boto rosa é: Boto rósio. Bairro onde mora: Ulisses Dimarães... vixe!! É tanto coisa que já tem até dicionário: o “Portovelhês”. 

O(a) Beradero(a) é o cabôco. O Cabôco Beradero da rede rasgada e do pé rachado, tem por natureza humildade, sempre respeitoso e educado, hospitaleiro, gentil e atencioso, as vezes chega ser ingênuo, mas não é leso não! Só tem a cara de abestado. 

Dá lá suas remadas navegando e se embalando nas redes sociais. Tá ligado no moderno e no digital sempre conectado com seus ancestrais e o natural. 

Naturalmente, beradero(a) é aquele que nasceu na beira do Rio Madeira, e com muito orgulho perpetra costumes, hábitos e tradições nortistas, herdadas dos povos da floresta. 

Mas nem sempre. Existem os que se tornaram beraderos, chegaram por aqui gostaram e se identificaram com esse modo de viver a vida e hoje praticam, vivenciam, e antes de tudo, se identificam como tal.

Sou BeradaRO!


P.S.: Esse texto é apenas um ensaio, na tímida tentativa de "explicar" (ao meu modo de ver) o que é ser Beradero(a). 


Gustavo Gurgel do Amaral é Professor, Pesquisador e Doutor em Geografia Humana.

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