Lucas Reis, Daniel Mirray, Maria Fernanda, Maria Alice Campelo. São nomes que se juntam a milhões de adolescentes com idades entre 15 e 17 anos, fase da vida na qual o convívio social é intenso, quando se começa a construir, dentro e fora da escola, planos para o futuro.
É justamente o período em que o estudante escolhe qual carreira seguir, se vai fazer, ou não, cursinhos preparatórios para o vestibular, se vai sair com a turma para o clube, cinema, shopping ou namorar. Uma etapa preciosa da vida juvenil, sem chance de ser revivida, que foi roubada pela covid-19.
A doença virou pandemia e, em março de 2020, chegou ao Brasil, interrompendo a intensidade das descobertas e aprendizados tão comuns na adolescência.
“No início da pandemia eu fiquei com muito medo. Meus pais me proibiram de sair para qualquer canto. Não pude mais nem ir à escola. Não entendia muito bem o que estava acontecendo”, recorda Daniel Mirray, agora com 17 anos, estudante do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual João Bento da Costa.
Já a estudante Maria Fernanda, 16 anos, do Colégio Mineiro, além de ter que se adaptar ao ensino remoto e ficar isolada em casa, ainda teve que cuidar dos pais, que tiveram covid-19. "No início foi bem difícil manter os estudos e ficar bem ao mesmo tempo, pois era uma carga muito grande, pesada. Meus pais pegaram covid-19 no início da pandemia e não foi fácil cuidar deles e manter os estudos. Ainda bem que as aulas presenciais voltaram, eu e meus pais já nos vacinamos e a nossa vida está seguindo quase que normal", disse.
Maria Fernanda teve que dar conta das aulas online e cuidar dos pais com covid
A falta do contato direto com a comunidade escolar, por mais de um ano, além da própria rotina incomum de aulas, que foram transmitidas pela internet, geraram enormes prejuízos psicológicos a centenas de adolescentes. Quem confirma é a promotoria de Educação do Ministério Público de Rondônia, formada por pedagoga, psicólogo e técnicos especializados.
Alunos do Ensino Médio da Escola João Bento, após o retorno presencial em aulão para o EnemO promotor de Educação do Ministério Público de Rondônia (MP-RO), Julian Imthon Farago, afirma que a escola é o epicentro de todas as demandas da infância e adolescência, onde o educador, além dos fatores pedagógicos, tem a sensibilidade de perceber indícios de vulnerabilidade social do aluno. Exemplos disso são os diversos tipos de abusos, disputa judicial do filho ou qualquer tipo de violência no ambiente familiar.
“Tudo isso se converte na escola. O professor detecta indícios e tem a obrigação de encaminhar o caso às autoridades ligadas à infância e adolescência ou ação social”, explica.
DESAFIOS
A mãe, Marcela Bonfim, passou por muitas dificuldades com o filho Daniel Bonfim Marinho, de 16 anos, estudante da escola Major Guapindaia.
“Esse período sem aula, para meu filho, foi muito complicado e difícil. Ele sentiu falta da socialização com os amigos, de estar no meio deles, de ter aulas presenciais. Ele não conseguia se concentrar nas aulas on-line. Pelo fato de ficar muito tempo em casa, mais ocioso, também acabou desenvolvendo uma depressão e tivemos que buscar ajuda psicológica”, afirmou.
POBREZA DE APRENDIZAGEM
Pesquisadores vêm tentando responder quais os impactos da pandemia na aprendizagem e na vida escolar, no Brasil e no mundo. Entre os estudos que estimam o impacto, o Banco Mundial prevê piora na capacidade de leitura e compreensão de textos pelos estudantes. Projeta-se que o percentual de “pobreza de aprendizagem” no Brasil poderá subir de 50% (nível pré-pandemia) para até 70%.
No cenário escolar, a pandemia, além de causar prejuízos psíquicos e de aprendizagem, também afeta as finanças de centenas de adolescentes. Os estudantes brasileiros, principalmente os adolescentes já em fase do ensino médio, podem ter uma perda de quase 8% na renda ao longo da vida, caso as aulas perdidas durante a pandemia não sejam compensadas, é o que aponta uma estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A promotoria de Educação rondoniense também atesta esses fatos. “Estudos, até agosto deste ano, já previam prejuízo da renda futura, ou seja, o atraso no ensino, entrada no mercado de trabalho e valor salarial já chegavam a R$ 1 bilhão no estado”.
Desde o fechamento das instituições de ensino, em 2020, ao retorno total das aulas presenciais, (decreto estadual de 18 de outubro/2021), a promotoria de Educação do MP-RO registrou um aumento de aproximadamente 80% de denúncias, a maioria anônima. São pais, professores e a comunidade, como um todo, descontentes.
“Tivemos que ampliar canais de comunicação, como WhatsApp, mais E-mails, pois somente os telefones da Ouvidoria e E-mail do MP não deram conta”, relembra o promotor, cuja pasta conta com sete servidores, além dele. “No início da pandemia, trabalhamos quase 24 horas por dia”, revela o promotor de Educação.
PRIMEIRO DO PAÍS
Em razão da pandemia, o MP-RO intensificou a atuação nas escolas, fiscalizando todas as etapas de ensino: do fechamento das unidades de ensino, à volta total das aulas presenciais. Retorno que, para Julian Farago, era necessário, para evitar mais prejuízos, já que os casos de covid vêm diminuindo por causa da vacinação.
Todas essas ações foram feitas através do Grupo de Apoio a Educação em Rondônia (Gaepe), organismo composto pelo Tribunal de Contas de Rondônia, Ministérios Públicos de Contas (MPC-RO) e Estadual (MP-RO), Tribunal de Justiça (TJ-RO), Defensoria Pública do Estado (DPE-RO), CTE-IRB, Instituto Articule e Atricon, em diálogo com os representantes da Seduc, da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Conselho Estadual da Educação, da União dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme) e da Associação Rondoniense dos Municípios (Arom).
Gaepe rondoniense foi destaque em audiência na Câmara Federal servindo de exemplo aos demais estados
De acordo com o presidente do TCE-RO, conselheiro Paulo Curi Neto, com mais de um ano e meio de existência e quase 40 reuniões, o Gaepe rondoniense, que veio pra ficar, se destacou não só pelos resultados já obtidos, mas, principalmente, pelas perspectivas de resultados como as notas técnicas aplicadas em toda a rede de ensino.
Trocando em miúdos, o Gaepe investiga quais escolas podem ter aulas presenciais. Para tanto, os integrantes dessa força tarefa orientam e cobram das unidades escolares o funcionamento adequado em tempos de pandemia: disponibilidade de álcool em gel, distanciamento social e uso de máscaras.
As fiscalizações conjuntas, com foco nos procedimentos de retomada das aulas presenciais, buscam averiguar, além dos cuidados escolares, o transporte, merenda escolar e cumprimento dos protocolos de governança.
A iniciativa foi pioneira no país. Além de Rondônia ter sido o primeiro estado a implantar esse tipo de ação em todo o Brasil, acabou por se tornar referência e exemplo para as demais unidades federativas.
Rondônia conta com 195 mil estudantes matriculados na Rede Estadual de Ensino. O governo do estado decretou dia 18 de outubro retorno total das aulas presenciais, com as ressalvas do Gaepe para o uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento social. Segundo o secretário estadual de Educação, Suamy Vivecananda, o Gaepe foi essencial para o retorno às aulas. “Com essa comissão, tivemos a segurança para o retorno das aulas presenciais, cumprindo todo o protocolo contido na Nota Técnica do Grupo (Gaepe), possibilitando assim evitar ainda mais os prejuízos educacionais na vida dos nossos alunos”.
Secretário de Educação, Suamy Vivecananda, fala do retorno total das aulas presenciaisCom o retorno das aulas presenciais, a aluna Maria Alice Oliveira, 17 anos, que está concluindo o Ensino Médio, relata suas incertezas sobre o que vem pela frente.
“Eu, realmente, tive meus planos todos alterados. E ainda não sei como será o futuro. Há muita incerteza, até por parte da ciência, de quanto tempo essa pandemia ainda vai durar. Eu ainda tenho dúvidas se a vacina vai ser realmente eficaz. Mas, tenho que ter esperança, né? Se Deus quiser tudo isso vai acabar e a vida vai voltar ao normal. A única coisa que não volta é o tempo perdido”.